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terça-feira, 5 de maio de 2020

Embriaguez




Me dá um trago?
Um trago desse seu olhar agridoce,
desse seu sorriso que nunca vem,
dessa sua mão leve que não toca, flutua.
Me dá um gole?
Um gole desse gosto de mato,
desse jeito preguiçoso de olhar a vida,
um gole de cheiro de pimenta doce.
Agora me solte, entre as letras,
assovios e cadências
Na fumaça enluarada
entre risos e murmúrios
Num poema qualquer
05/05/2020

Quarentena





As paredes oprimem, gemem
no escuro de noites e mais noites, gritam.
O céu lá fora brilha, exuberante,
meu céu lacrimeja, sente, dói.
Os olhos em nuvens lágrimas a cada perda,
a cada dia
Os dias se somam, amontoados a um canto,
esperando a vida passar
Cada dia um sol a mais,
uma lua a menos,
perdidos, descalços pelas ruas desertas.
A vista é envidraçada, entrelaçada,
em treliças de olhares curiosos,
do alto de prédios, do alto de morros,
escondida.
Os pés transitam no vai e vem curto e lúgubre,
estão tontos do reduzido espaço.
Café, preciso de um café.
Um grito ecoa na vizinhança,
nada a temer,
apenas a vida que parou,
estancou, emudeceu.
E eu aqui.
A música que toca vai iludindo o tempo,
embalando o corpo,
entorpecendo a dor.
Vinho, preciso de um “vinho tinto de sangue”
04/05/2020

Abril de 2020


Relendo um texto da Eliana Rigol me deparo com a frase “Não tenho 75 anos. Se tiver sorte, tenho 15. Os 75 já se foram” e então lembrei-me de que no próximo mês completarei 51 anos, ou seja, se tiver sorte ainda e imitar a minha avó, tenho aproximadamente 50.
Mas como não estou em Portugal (inveja da Eliana), talvez eu tenha bem menos.
Comemorar aniversários sempre foi uma alegria, os meus 50 foram mágicos, graças aos meus queridos amigos e aos meus filhos e sei que independentemente de onde estiver, sempre sentirei o friozinho na barriga nessa contagem de tempo.
Não me recordo de comemorar meus aniversários na infância, talvez por que não comemorasse mesmo. O primeiro que tenho recordação foi o de 15 anos, e a melhor memória dele é a do final da festa, quando fiquei ouvindo os discos de vinis que ganhara, na companhia de meu padrinho, e de meu vestido vermelho que minha mãe fizera.
E percebo que são as lembranças que vão construindo o que somos e como reagimos aos fatos. São as experiências pelas quais passei que me fazem sentir tanta gratidão àqueles que estão e continuam ao meu lado (mesmo que não perto).
Sei que várias possibilidades sempre estão por vir, porém a sensação mais forte é a da morte, e a Eliana está certa. Morte como fechamento de ciclos, de histórias, que ocorre todos os dias, ao final do mês, ao final do ano e, no meu caso, a cada 05 de maio.
Gosto dessa ideia de encerrar um ciclo, perceber que vivi da forma que pude, o que me cabia no momento.
Em momento tão conturbado resta a certeza de sempre: cada dia é sempre menos, e por isso a nossa noção de tempo é tão palpável, também por isso tão precioso se faz viver como se fosse o último instante.

Abril/2020