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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Cotidiano

A tristeza vem, já anunciada pelas nuvens no olhar
o sorriso se esvai entre as lágrimas e
o brilho de alegria, antes tão ofuscante,
é esquecido numa de suas gavetinhas secretas.
É, a vida assim se apresenta, de mares e montanhas
o dia-a-dia que massacra e embota a beleza
insiste em voltar e roubar os instantes mágicos.

(Valdira S. Rosa)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Chegada




A rua desce, em harmonia
Os sons ficam restritos à chuva fina
Aquele perfume... não sei não...
Parece flor, parece terra, parece sexo...
O hálito é azedo, mas bom que só!
É a primavera brilhando em minha janela.

(Valdira S. Rosa)

Luana

O sorriso, o olhar, sei lá, seu jeito...
caminha pelas ruas, nua de tudo
festeja a lua, o som, o vento, a vida
sente que é diferentemente igual..


A cabeleira solta, idéias livres
o corpo dança, não a mesma melodia
mas a sua própria, enlouquecida.

Única, veste-se de criança e mulher
ávida, caminha sob a chuva
e descobre-se gente, humana, linda.

(Valdira S. Rosa)

O Poeta

Um menino flutua pela cidade
flutuam suas idéias e sorrisos
a cidade flutua em seus olhos
E tudo se torna poesia.

Há dias tristes, melancólicos
mas há também os vivos e iluminados
Há tristezas lindas e alegrias infantis
e mais que tudo: há poesia.

Ele vaga, palavra ingênua
significados múltiplos, vivos.
A noite ferve
ferve sua mente, nasce poesia.

(Valdira S. Rosa)

domingo, 6 de setembro de 2009

As Pitangas


Vinte e duas horas, visita. Saiu com seu bloco de anotações, ajeitou a saia e passou no frio corredor do hospital. Ali era sempre escuro, como a mente humana. Entrou no quarto estreito e percebeu logo que a paciente não dormia. Desde o início aquela mulher a impressionara muito. Havia lágrimas em seus olhos. Dirigiu-se à outra mulher, que dormia tranquilamente, examinou-a e fez suas anotações.
- Como ela está?
Surpreendeu-se ao ouvir a voz fraca e curiosa atrás de si. Era ela.
- Bem. – procurou responder friamente – Parece bem.
- Parece?! A senhora não tem certeza?
- Ninguém tem certeza de nada, nunca! – Não fora indireta, sempre pensara assim.
Ainda bem que ela se calou. Possivelmente analisava sua própria vida. Como ela deveria pensar! O dia inteiro naquela cama, sozinha, apenas com aquela vizinha ao lado. Já estava ali há uma semana e ninguém aparecera para visitá-la.
Virou-se para ela e examinou-a minuciosamente, com calma e atenção. Talvez quisesse captar seus sentimentos através de seus aparelhos. Deveria ser assim, seria mais fácil analisar determinados pacientes.
- Pareço bem?
- Não. – Não se referia ao corpo.
Ela não se alarmou, nem perguntou mais nada. Até ficou mais calma, se isso fosse possível.
- Queria comer pitangas...
- Como?! – parou suas anotações e olhou-a distraidamente. Resolveu não dizer nada.
- Já comeu pitangas? – ela não queria uma resposta. – Elas são azedas, mas de um azedume adocicado. São ótimas...
- Boa noite. Às seis eu volto.
Lançou um último olhar sobre as pacientes e saiu. Tentou, durante toda a noite, esquecer aquela mulher frágil que ali tão próxima passava determinação apenas com o olhar já embaçado pela idade. Sentiu certa ansiedade. Antes das seis, quando ia à padaria ao lado, viu as pitangas. Elas brilhavam. Na sua vermelhidão pareciam sorrir-lhe. A banca da feira não estava totalmente montada, assim mesmo pediu algumas.
Entrou no quarto das pacientes e não a viu. Apenas a outra dormia.
Saiu, as pitangas incomodavam agora. Brilhavam mais ao contato da brancura do hospital.
- Onde está a paciente deste quarto?
O enfermeiro olhou-a intrigado, avistou as pitangas.
- Morreu há pouco.
- Mas como?! Ela parecia bem...
Ele a encarou estranhamente e sorriu.
- Aqui não há ninguém bem, nem mesmo nós. Foi o Dr. França que cuidou dela.
Não procurou mais informações. As pitangas repousaram sobre a mesa, vermelhas.

(Valdira S. Rosa)

domingo, 16 de agosto de 2009

Gavetas

Domingo, dia de arrumar as gavetas. As do armário estavam cheias de papéis: usados, em branco, amassados, extratos, carnês, cartões de amigos passados - não sabia porque os guardava, os amigos já não eram os mesmos. Mas a saudade era apenas do tempo, de si mesma. Achou também desenhos de sua filha, na verdade rabiscos, mas que guardavam a marca do tempo.

...as gavetas do seu ser é que eram desarrumadas, mas uma doce desordem, que esconde o que quer e revela o que não quer. Estas continham também papéis: velhos, surrados, cansados, mãe, mulher, pessoa, filha, profissional e um meio tonto no meio dos outros - EU. Este era miúdo, tênue, tímido, mas possuía um brilho fosco e sedutor, daqueles que enternecem e sufocam. E foi neste que se perdeu...

No fim, as gavetas todas estavam da mesma forma, cheias de papéis, mas vazias. O domingo se foi. Ninguém veio, o sol deu seu último brilho e um sorriso esplendidamente amarelo. Sentiu os primeiros pingos de estrelas salpicarem sua visão e viu brotar a lua, não linda, mas pálida e sóbria. Os grilos do jardim invadiram sua casa e pularam pela sala, arriscando-se numa busca de espaço tribial.


Olhou as gavetas sombrias, como despedida, até breve.


(Valdira S. Rosa)


terça-feira, 11 de agosto de 2009

PERCEPÇÃO

Diz-se infeliz
feliz é por dizer algo
vive aquele que nada diz,
não por querer, mas por não saber.
Olhe, perceba, ENTALE-SE:
vivem seres humilhados suplicando
em dizer.

(Valdira S. Rosa)

Um Arranhão

Longe de ti, nem sei
a pensamentos infinitos de distância estou
não alcanço teu EU
é tudo que verbaliza-se em mim.

Cacei o poço de ti na escura vida
mas ele estava enxuto
minando apenas aquela dor
aquela mesma que te causei
numa doce ingenuidade de ter-te.

É fel perceber como entortei
para segurar-te entre meus dedos.
Acho que as unhas te feriram,
pois tens na alma arranhões
ainda vermelhos e líquidos.

Caço agora um naco de luz
nessa vida que me adormece,
cada vez mais escassa é a caçada
porém mais ansiosa e ferida.

(Valdira S Rosa)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Nova Hora do Cansaço













Como dizia meu poeta
Tudo é eterno até certo ponto
Me sinto também eterna até certo ponto,
O ponto de chegada e o de partida
O ponto de chorar e o de sorrir
Aquele pontinho de pavor da vida
E aquela pontinha de amor à vida
A ponta aguda da memória
O ponto certo do meu EU
A pontada da estupidez
O pontiagudo desejo de ir...
Vou, vôo livre, sem destino
Mar de sensações.

(Valdira S. Rosa)

domingo, 21 de junho de 2009

EU










Nua e desfalecida
sobre os ícones da vida
suor, sombra, sede
o corpo lento curva-se, tomba
a frágil alma arqueja e geme
lágrima, seios, pernas
a cabeça gira, endoidece
a fuga é inevitável...
O sol volta a brilhar
as nuvens somem
a terra arde, estremece
durmo, sonho... bebo.

(Valdira S. Rosa)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Transição













Dilacera relógio!
Logo agora...
Ontem ainda era tempo
Hoje passou...
Amanhã talvez nem seja, será?
Antes via-se uma nuvem,
Agora a tempestade foi degolada
E depois o sol sorri, será?
Sempre prevalece o vazio,
Nunca estoura ardor
Jamais acelera, relógio!

(Valdira S. Rosa)

Ímpeto










Olhares fiéis e cheios de sede
mãos pequenas e nervosas
cabelos compridos e desleixados
faces de espinhas e frescor
corpos ágeis e frágeis
vidas novas e curtidas, adolescentes.

(Valdira S. Rosa)

sexta-feira, 1 de maio de 2009


O Ciúme

Caetano Veloso

Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia
Tudo esbarra embriagado de seu lume
Dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia
Só vigia um ponto negro: o meu ciúme

O ciúme lançou sua flecha preta
E acertou no meio exato da garganta
Quem nem alegre nem triste nem poeta
Entre Petrolina e Juazeiro canta
Velho Chico vens de Minas

De onde o oculto do mistério se escondeu
Sei que o levas todo em ti, não me ensinas
E eu sou só, eu só, eu só, eu
Juazeiro, nem te lembras dessa tarde
Petrolina, nem chegaste a perceber
Mas, na voz que canta tudo ainda arde

Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê
Tanta gente canta, tanta gente cala
Tantas almas esticadas no curtume
Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Imensidão


Chama em pele, te sinto e te toco,

imensidão...

Perco-me no infinito que me toca

Ilumina-se a chama em tuda face,

a paixão da minha acolhe-a e delicia-se

Todo o ar brilha

Arde o crepitar de ti em mim

e vencemo-nos por perdidos

na colorida faixa da arte

de encontrarmo-nos.



(Valdira S. Rosa)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Saudades



Mais um feriado de páscoa chegou e, ao ler um texto em outro blog, lembrei-me com nitidez da infância pobre que tive no sítio de meu avô. Senti um misto de saudade e tristeza, pois apesar das contradições era uma vida e tanto. Mas é claro, eu e meu irmão não tínhamos a luxúria da cidade que muitas vezes víamos com nossos primos, mas tínhamos inúmeras árvores para subir, fazer de casinha, de ônibus, de cavalo, frutas diversas também (que na época não dávamos tanto valor, mas enchiam nossas barrigas).
Lembro bem que bonecas, carrinhos e bicicletas eram sonhos, assim como os famosos ovos de páscoa. Às vezes ganhávamos alguns de parentes, mas não de nossos pais, não havia a menor condição e lembro ainda do esforço de minha mãe em tentar nos dar algo, nem que fosse um docinho embrulhado em papel bonito.
Mas tínhamos nossos amigos “matinhos”, que era alguma muda de árvore que adotávamos e sempre passávamos para ver como estavam. Eu gostava daqueles de folhas bem tenras e verde-claras, meu irmão preferia os robustos de folhas largas e disputávamos para ver qual estava mais bonito e desenvolvido.
Outra alegria daquela época era o “Bumm... báaaa!”, uma brincadeira que inventamos e volta e meia nos faz rir nas lembranças. Tratava-se de um pé de maracujá enorme (para os nossos olhos) que se enrolava em outra planta e deixava seus braços pendurados, onde segurávamos um de cada lado, de mãos dadas. Como ele ficava numa vala, assim, nessa posição, corríamos de um lado a outro gritando “Bummm” e voltávamos arrastados pelos galhos, esfregando as bundas no chão e gritando “Báaaa!”. Era uma das melhores brincadeiras que tínhamos e nisto a única parte triste era quando a mãe chamava...
Entre as nuvens de minhas lembranças, um fato triste que recordo foi o ocorrido na casa de minha avó, que era travessa e esperta. Eu tinha uns sete ou oito anos, já havia passado a páscoa e não lembro se ganhara ovos de chocolate, isso não me marcou. Cheguei à casa de minha avó, meu passeio predileto, e ela me disse que se eu lavasse sua louça ganharia uma surpresa. Empolgadíssima, perguntei-lhe se era um ovo de páscoa, pois tinha visto na cidade mais próxima que eles continuavam expostos nas vitrines de padarias. Ela confirmou, sorriu, era isso mesmo. Lavei sua pequena louça na maior animação e quando terminei fiquei a espera do meu prêmio, que veio enroladinho, mas era muito redondo e pequeno... ao abrir vi brilhar um pequeno limão, da produção de meu avós, em minhas mãos molhadas. Vovó riu muito e me garantiu que depois me daria um de verdade. Não sei se isso chegou a acontecer, apenas essa parte ficou marcada em minha memória, tão forte quanto o amor que eu sentia por meus avós. E quando me lembro deles, sinto cheiro de milho assado na brasa, raspa de coco, batata doce, inhame e aipim, cozidos para o lanche com leite e café.
“Eita vida besta, meu Deus!”


Valdira S. Rosa

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Haikai


Mar

Ondas, sondas, puras
Balançam, torcem e pulam
Vejo tua alma branca.


Valdira S. Rosa




Rosas

Sorrisos, murmúrios
No jardim, brincam vocês
Pétalas de amor.


Valdira S. Rosa

O Anjo



Senti um arrepio tomar-me o corpo inteiro. Não de medo, mas de prazer. Sabe aquele prazer suave e cheiroso? Desses que sentimos ao tocar um bebê... Mas não parecia um bebê. Era um anjo. Ah, mas não o anjo torto do Drummond. Um anjo na sua essência, claro de luz, olhos castanhos claros e brilhantes (ou eram estrelas?) nos lábios um sorriso maroto, onde se vêem as pontinhas dos dentes brancos e pequenos. Desceu sobre minha existência e aqui ficou por longo tempo, o suficiente para transformar minha vida em paixão.

No início eu achava estranho ter aquele ser por perto... mas logo me habituei. Ele, por sua vez, mal percebia minha presença, tão encantado estava com o cotidiano. Diversas vezes o peguei rindo da chave na fechadura ou do som da mordida na maçã. Era um riso frouxo e suave, desses que a gente finge não ver. Quando saíamos à rua, era festa na certa! Caminhos que eu já havia esquecido, passei a redescobri-los por sua causa. Flores nunca vistas voltaram a brilhar em meu caminho...

Certa vez fui à praia. Sentei-me num quiosque e fiquei aguardando o sol se pôr (sempre gostei de fazer isso)... Pela primeira vez o vi sério e triste. Então, convidei-o a admirar o sol derretendo-se no mar. Ele olhou-me como se ouvisse algo óbvio e sorriu. Apontou distraidamente para a areia fina. Percebi que eu não mais direcionava minha vida. Caminhamos lado a lado na areia da praia, como de encontro ao sol. Ele voltou a sorrir.

Meu anjo tornava-se mais radiante e eu mais passional. Descobri-me, certo dia, admirando as cores de um besouro sem graça. As outras pessoas achavam-me estranha, mas bela. Sempre comentavam meu sorriso maroto e o olhar distante. Nunca lhes falei sobre o anjo. Não sei se compreenderiam... talvez. Achei melhor guardá-lo apenas comigo.

Passei a não somente ouvir música, mas também a sentir seu gosto, com verdadeiro sabor. Nesses momentos, ele apenas deitava sua cabecinha em meu ombro e eu o sentia estremecer.

Numa dessas longas vivências de prazer, apareceu-me um sentimento novo: o medo. Inicialmente, era leve e não o sentia tanto. Então passei a senti-lo sempre que o anjo adormecia ou quando vagava por aí por mim.

Nossa! Tão cedo este medo tornou-se pesado e grotesco. Assustava-me a todo instante. O prazer agora dividia espaço com um obscuro e violento pavor. Continuei a observar as flores, mas via nelas a sua própria ausência, e chorava ao ver alguma murchar.

Instantaneamente me pus a chorar copiosamente por qualquer motivo, que antes era fruto de prazer. Vi os olhos do anjo entristecerem numa pergunta que nunca chegou a fazer. E os meus transbordavam em lágrimas amargas e angustiantes. Até que numa manhã úmida de verão acordei sem a sua presença, desapareceu deixando apenas o gosto doce da saudade.

Valdira S. Rosa

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Chama Fugaz


Vem, vem agora, chama fugaz!

Pode vir, estraçalha-me o poço da alma...

E vá, some, enfie-se noutro ser!

Ah! Mas quando for, não deixe apenas cinzas,

Deixe também o tudo na memória,

E o nada em meu corpo...

Valdira S. Rosa