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domingo, 18 de julho de 2010

Clima

O ar ficou seco
rasgou a noite
e se infiltrou neste quarto.
As flores murcharam
minha pele trincou
sobrou apenas o calor das lágrimas
que rolam até secar.
A noite secou
escureceu minha alma
tornou-se infinda
findou a alegria do olhar
apagou o frescor dos lábios
abriu a ferida do dia.
O dia desceu
leve, sorrateiro, entrou
permaneceu quieto a um canto
escutou as batidas do meu peito.
O sol brilhou sem gosto, fosco
a luz que entrou era esbranquiçada
e apagou o charme da noite,
que se despediu alvoroçada.
Os pássaros cantavam em doces promessas
senti o cheiro da terra
as primeiras gotas de chuva chegaram
lânguidas, e as flores sorriram levemente
volto a sentir a pelo do rosto.

Valdira S. Rosa

Frio na Chapada


Julho na Chapada, como sempre uma experiência muito boa, diferente. Entretanto agora mostrou-se melancólica. Faltou o frescor da primeira vez, a ânsia por conhecer, além de pessoalmente ter sido ainda pior. Sinto o tempo correr não mais entre os dedos, mas nos meus cabelos e face. Isso me lembrou aquele poema da Cecília, onde ficou perdida a minha face? A tristeza veio de enxurrada, lavando a paz merecida das férias, o peito apertado e a alma encolhida, o medo dominou todos os poros, não sou eu, essa estranha dominou meus dias e agora a noite é mais fria e mais escura.
O sol que aquece não é suficiente para transpor a frescura que envolve e fere. Preciso de flores, é isso, um pouco de rosas, margaridas e tulipas, um pouco de naturais alegrias para a vida que se mostra artificial.

Valdira S. Rosa

segunda-feira, 5 de julho de 2010

OCASO

Desci a rua, firme, como se subisse. Não voltei os olhos para a casa, mas sabia que outros olhos lá estavam. Senti remorso? Talvez não. Mas saudades sim, daquelas que conseguimos apertar entre os dedos. Aliás, acho que a saudade já estava presente antes da saída. Não saudade dela ou de meus filhos, mas do amor extinto, da vida em comum que murchara. Caminhei bastante, meio sem direção, ou na direção certa (isso depende de quem sente). Então eu olhei pra trás e vi a nossa casa, não a concreta, mas a de meus olhos: era azul, intensamente azul, tinha dentro dela apenas sombras, as nossas sombras sanguíneas. Por mais que eu piscasse, ela não saía de meu olhar; virei-me e continuei andando.
Andei até cansar, cansar de tudo. Era um cansaço que latejava aqui dentro, bem na alma. Pensei em sentar. Olhei a minha volta. Foi aí que percebi um campo deserto, havia apenas um cavalo, mas este nem tomou conhecimento de minha presença. Sentei-me no chão, era uma grama úmida e macia, o alívio foi imediato. Tirei das costas o peso da mochila. Nossa! O vento bateu em meu corpo como nunca batera antes. Só assim, sentado naquela amplidão, pude ver que o céu também pode ser lilás, coisa que nunca tinha visto. Fixei um olhar brilhante e infantil de quem vê realmente, sem nenhum pudor e avistei a primeira estrela que surgia, no início tênue e depois abusada... Ela aparecia como se fosse a única do universo e logo era apenas mais um pontinho iluminado no turbilhão de seu céu. Notei que algo crescia dentro de mim, não forte como qualquer sentimento, mas calmo, afável. Brotava como brotam as sementes, ingênuas. Não sufocava, inundava e preenchia todos os meus sentidos. Até que respirei e lá estava ela! A liberdade, tantas vezes desejada, outras tantas motivo de guerras e sempre insubstituível. Alguns fingem ter, outros a têm mas não sentem e a maioria deseja como o mar deseja o céu, que só se unem visualmente no horizonte. Sempre me incluí neste último grupo e jamais imaginei poder senti-la tão presente em minha alma.
Dei um grito estridente de dentro do meu íntimo, mas somente eu mesmo ouvi e isto me satisfez.
Olhei novamente a minha volta e vi que o cavalo olhava-me. Será que me ouvira?... Mas ele certamente não compreendera ou pelo menos fingiu para não me encabular. Levantei de um pulo, pus a mochila nas costas, tão leve estava! Saí andando sobre sonhos lilases. Avistei pela última vez o céu, que agora era apenas uma estrela.


Valdira S. Rosa

A MESA


A sala era enorme, mas o quadro sobressaía no meio de outros tão iguais. Era uma pintura expressionista, dessas que você sabe bem a que vieram. Subitamente a sala ficou escura, sombria, algumas flores surgiram. Senti um frio nas pernas e percebi: estava nua. Não me via mais como mulher, mas apenas um espectro. Algo se aproximou, a solidão aumentou. O medo também. Deslizei as mãos pelos cabelos e senti-os úmidos e gelados. Precisei de algum tempo para perceber que chovia, e essa chuva era fria e triste, de uma tristeza toda azul.
         Olhei o céu, era escuro, mas sabia a que viera. Meus olhos foram ficando pesados e quanto mais pesados, mais eu os abria e foi então que vi a mesa. Ela estava no fundo do jardim, meio desbotada e sólida (tão sólida quanto a chuva). Fui até lá. Alisei-a com a ponta dos dedos e senti sua aspereza delicada. Um calor subiu-me o peito e aqueceu minha pele branca e arrepiada. Minhas faces coraram. Sentei-me sobre a ponta da mesa, ela tinha firmeza, deslizei um pé em sua base, ele sangrou e o vermelho brilhou na escuridão. Algumas gotas de sangue batizaram as folhas secas do chão e essas se mexeram levemente. Uma leve brisa tocou meu corpo, deitei sobre a mesa, senti o calor nas costas e nas coxas (ah, ela era branca, com algumas manchas de ferrugem). Adormeci.
           - Gostou deste quadro?


           Ouvi aquela voz rouca e tive um sobressalto. Olhei ao meu redor e vi a sala com os quadros. Ao meu lado um homem olhava-me intrigado. Sorri.
          - Muito. Ele é intrigante.
          - Eu diria sensual – ele disse num sussurro e saiu.


Olhei o quadro mais uma vez e voltei-me para a porta, o homem desaparecera. Mais tarde tentei encontrá-lo em vão.

Valdira S. Rosa