imagem

imagem

domingo, 6 de setembro de 2009

As Pitangas


Vinte e duas horas, visita. Saiu com seu bloco de anotações, ajeitou a saia e passou no frio corredor do hospital. Ali era sempre escuro, como a mente humana. Entrou no quarto estreito e percebeu logo que a paciente não dormia. Desde o início aquela mulher a impressionara muito. Havia lágrimas em seus olhos. Dirigiu-se à outra mulher, que dormia tranquilamente, examinou-a e fez suas anotações.
- Como ela está?
Surpreendeu-se ao ouvir a voz fraca e curiosa atrás de si. Era ela.
- Bem. – procurou responder friamente – Parece bem.
- Parece?! A senhora não tem certeza?
- Ninguém tem certeza de nada, nunca! – Não fora indireta, sempre pensara assim.
Ainda bem que ela se calou. Possivelmente analisava sua própria vida. Como ela deveria pensar! O dia inteiro naquela cama, sozinha, apenas com aquela vizinha ao lado. Já estava ali há uma semana e ninguém aparecera para visitá-la.
Virou-se para ela e examinou-a minuciosamente, com calma e atenção. Talvez quisesse captar seus sentimentos através de seus aparelhos. Deveria ser assim, seria mais fácil analisar determinados pacientes.
- Pareço bem?
- Não. – Não se referia ao corpo.
Ela não se alarmou, nem perguntou mais nada. Até ficou mais calma, se isso fosse possível.
- Queria comer pitangas...
- Como?! – parou suas anotações e olhou-a distraidamente. Resolveu não dizer nada.
- Já comeu pitangas? – ela não queria uma resposta. – Elas são azedas, mas de um azedume adocicado. São ótimas...
- Boa noite. Às seis eu volto.
Lançou um último olhar sobre as pacientes e saiu. Tentou, durante toda a noite, esquecer aquela mulher frágil que ali tão próxima passava determinação apenas com o olhar já embaçado pela idade. Sentiu certa ansiedade. Antes das seis, quando ia à padaria ao lado, viu as pitangas. Elas brilhavam. Na sua vermelhidão pareciam sorrir-lhe. A banca da feira não estava totalmente montada, assim mesmo pediu algumas.
Entrou no quarto das pacientes e não a viu. Apenas a outra dormia.
Saiu, as pitangas incomodavam agora. Brilhavam mais ao contato da brancura do hospital.
- Onde está a paciente deste quarto?
O enfermeiro olhou-a intrigado, avistou as pitangas.
- Morreu há pouco.
- Mas como?! Ela parecia bem...
Ele a encarou estranhamente e sorriu.
- Aqui não há ninguém bem, nem mesmo nós. Foi o Dr. França que cuidou dela.
Não procurou mais informações. As pitangas repousaram sobre a mesa, vermelhas.

(Valdira S. Rosa)