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domingo, 28 de novembro de 2010

Doces Prazeres

Chovia, disso tinha certeza, uma chuva fina e brilhante, que cobria as folhagens de gotículas. Gostou de passar a mão nas folhas e ver a água cair e sentir a umidade. Não fazia frio, era verão. Ouviu o barulho leve das folhagens, parou para sentir a brisa, seus cabelos infantis balançaram espalhando seu perfume, mas sem que ela tomasse conhecimento disso.
Saíra escondida da casa velha dos avós, enquanto todos se distraíam com assuntos adultos. A princípio foi olhar as flores, não plantadas, mas espontaneamente espalhadas pelo quintal, depois a jabuticabeira que estava florida e depois parara embaixo daquela mangueira imensa.
Ela acreditava que aquela árvore era a bisavó de todas as outras naquele sítio, tão grande e majestosa que brilhava. Gostava do cheiro predominante de terra úmida e folhas velhas que cobriam o chão abaixo dela, e sobretudo gostava de sua companhia segura.
Era uma menina com cerca de seis anos, cheia de sonhos no olhar, os mais mirabolantes e fantasiosos possível: viver no topo daquela mangueira numa casinha de madeira era seu predileto, viajar nas asas de uma pipa que soltava com seu pai, passar o dia brincando de pique ou andar num cavalo alado até as nuvens. Alguns se concretizavam em suas brincadeiras de faz de conta.
Mas muitos ficaram suspensos como o cheiro de milho cozido.
Percebeu que embaixo da mangueira escurecia, mas logo viu que era proposital, para que ninguém a encontrasse ali, e funcionou. Sentiu um pouco de medo, sabia dos espíritos da família que habitavam o sítio, mas logo assumiu a postura de paladino, o graveto virou espada e a folhagem lhe sussurrava segredos e dicas do tesouro escondido.
Até por sua tenra idade, perdeu a noção do tempo e acabou perdendo-se nas doces ilusões da fantasia criada.
Só conseguiu ouvir os pais chamarem, desesperados, depois de um longo tempo. Saiu correndo, antes que seu tesouro fosse descoberto, ouviu a bronca quieta e cabisbaixa, na mente um turbilhão de sonhos para o dia seguinte.
Entraram na cozinha da avó, borbulhava um cheiro de lenha queimada misturado ao cheiro de comida fresca. A avó olhou-a zangada, compartilhando a bronca dos pais. O avô, sentado a um banco rústico de madeira, sorriu-lhe disfarçadamente e em seus olhos viu o mesmo brilho da chuva descendo na mangueira.
Sorriu também e entrou pulando na casa escura, iluminada apenas pelos lampiões.
Valdira S. Rosa

Um comentário:

"Naza" disse...

Que lindo.
Gosto muito da forma como você nos coloca verdades em seus textos.
Aqui, por exemplo, é fácil sentir a inocência e a imaginação...
Lindo mesmo