A sala era enorme, mas o quadro sobressaía no meio de outros tão iguais. Era uma pintura expressionista, dessas que você sabe bem a que vieram. Subitamente a sala ficou escura, sombria, algumas flores surgiram. Senti um frio nas pernas e percebi: estava nua. Não me via mais como mulher, mas apenas um espectro. Algo se aproximou, a solidão aumentou. O medo também. Deslizei as mãos pelos cabelos e senti-os úmidos e gelados. Precisei de algum tempo para perceber que chovia, e essa chuva era fria e triste, de uma tristeza toda azul.
Olhei o céu, era escuro, mas sabia a que viera. Meus olhos foram ficando pesados e quanto mais pesados, mais eu os abria e foi então que vi a mesa. Ela estava no fundo do jardim, meio desbotada e sólida (tão sólida quanto a chuva). Fui até lá. Alisei-a com a ponta dos dedos e senti sua aspereza delicada. Um calor subiu-me o peito e aqueceu minha pele branca e arrepiada. Minhas faces coraram. Sentei-me sobre a ponta da mesa, ela tinha firmeza, deslizei um pé em sua base, ele sangrou e o vermelho brilhou na escuridão. Algumas gotas de sangue batizaram as folhas secas do chão e essas se mexeram levemente. Uma leve brisa tocou meu corpo, deitei sobre a mesa, senti o calor nas costas e nas coxas (ah, ela era branca, com algumas manchas de ferrugem). Adormeci.
- Gostou deste quadro?
Ouvi aquela voz rouca e tive um sobressalto. Olhei ao meu redor e vi a sala com os quadros. Ao meu lado um homem olhava-me intrigado. Sorri.
- Muito. Ele é intrigante.
- Eu diria sensual – ele disse num sussurro e saiu.
Olhei o quadro mais uma vez e voltei-me para a porta, o homem desaparecera. Mais tarde tentei encontrá-lo em vão.
Valdira S. Rosa
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