Desci a rua, firme, como se subisse. Não voltei os olhos para a casa, mas sabia que outros olhos lá estavam. Senti remorso? Talvez não. Mas saudades sim, daquelas que conseguimos apertar entre os dedos. Aliás, acho que a saudade já estava presente antes da saída. Não saudade dela ou de meus filhos, mas do amor extinto, da vida em comum que murchara. Caminhei bastante, meio sem direção, ou na direção certa (isso depende de quem sente). Então eu olhei pra trás e vi a nossa casa, não a concreta, mas a de meus olhos: era azul, intensamente azul, tinha dentro dela apenas sombras, as nossas sombras sanguíneas. Por mais que eu piscasse, ela não saía de meu olhar; virei-me e continuei andando.
Andei até cansar, cansar de tudo. Era um cansaço que latejava aqui dentro, bem na alma. Pensei em sentar. Olhei a minha volta. Foi aí que percebi um campo deserto, havia apenas um cavalo, mas este nem tomou conhecimento de minha presença. Sentei-me no chão, era uma grama úmida e macia, o alívio foi imediato. Tirei das costas o peso da mochila. Nossa! O vento bateu em meu corpo como nunca batera antes. Só assim, sentado naquela amplidão, pude ver que o céu também pode ser lilás, coisa que nunca tinha visto. Fixei um olhar brilhante e infantil de quem vê realmente, sem nenhum pudor e avistei a primeira estrela que surgia, no início tênue e depois abusada... Ela aparecia como se fosse a única do universo e logo era apenas mais um pontinho iluminado no turbilhão de seu céu. Notei que algo crescia dentro de mim, não forte como qualquer sentimento, mas calmo, afável. Brotava como brotam as sementes, ingênuas. Não sufocava, inundava e preenchia todos os meus sentidos. Até que respirei e lá estava ela! A liberdade, tantas vezes desejada, outras tantas motivo de guerras e sempre insubstituível. Alguns fingem ter, outros a têm mas não sentem e a maioria deseja como o mar deseja o céu, que só se unem visualmente no horizonte. Sempre me incluí neste último grupo e jamais imaginei poder senti-la tão presente em minha alma.
Dei um grito estridente de dentro do meu íntimo, mas somente eu mesmo ouvi e isto me satisfez.
Olhei novamente a minha volta e vi que o cavalo olhava-me. Será que me ouvira?... Mas ele certamente não compreendera ou pelo menos fingiu para não me encabular. Levantei de um pulo, pus a mochila nas costas, tão leve estava! Saí andando sobre sonhos lilases. Avistei pela última vez o céu, que agora era apenas uma estrela.
Valdira S. Rosa