Senti um arrepio tomar-me o corpo inteiro. Não de medo, mas de prazer. Sabe aquele prazer suave e cheiroso? Desses que sentimos ao tocar um bebê... Mas não parecia um bebê. Era um anjo. Ah, mas não o anjo torto do Drummond. Um anjo na sua essência, claro de luz, olhos castanhos claros e brilhantes (ou eram estrelas?) nos lábios um sorriso maroto, onde se vêem as pontinhas dos dentes brancos e pequenos. Desceu sobre minha existência e aqui ficou por longo tempo, o suficiente para transformar minha vida em paixão.
No início eu achava estranho ter aquele ser por perto... mas logo me habituei. Ele, por sua vez, mal percebia minha presença, tão encantado estava com o cotidiano. Diversas vezes o peguei rindo da chave na fechadura ou do som da mordida na maçã. Era um riso frouxo e suave, desses que a gente finge não ver. Quando saíamos à rua, era festa na certa! Caminhos que eu já havia esquecido, passei a redescobri-los por sua causa. Flores nunca vistas voltaram a brilhar em meu caminho...
Certa vez fui à praia. Sentei-me num quiosque e fiquei aguardando o sol se pôr (sempre gostei de fazer isso)... Pela primeira vez o vi sério e triste. Então, convidei-o a admirar o sol derretendo-se no mar. Ele olhou-me como se ouvisse algo óbvio e sorriu. Apontou distraidamente para a areia fina. Percebi que eu não mais direcionava minha vida. Caminhamos lado a lado na areia da praia, como de encontro ao sol. Ele voltou a sorrir.
Meu anjo tornava-se mais radiante e eu mais passional. Descobri-me, certo dia, admirando as cores de um besouro sem graça. As outras pessoas achavam-me estranha, mas bela. Sempre comentavam meu sorriso maroto e o olhar distante. Nunca lhes falei sobre o anjo. Não sei se compreenderiam... talvez. Achei melhor guardá-lo apenas comigo.
Passei a não somente ouvir música, mas também a sentir seu gosto, com verdadeiro sabor. Nesses momentos, ele apenas deitava sua cabecinha em meu ombro e eu o sentia estremecer.
Numa dessas longas vivências de prazer, apareceu-me um sentimento novo: o medo. Inicialmente, era leve e não o sentia tanto. Então passei a senti-lo sempre que o anjo adormecia ou quando vagava por aí por mim.
Nossa! Tão cedo este medo tornou-se pesado e grotesco. Assustava-me a todo instante. O prazer agora dividia espaço com um obscuro e violento pavor. Continuei a observar as flores, mas via nelas a sua própria ausência, e chorava ao ver alguma murchar.
Instantaneamente me pus a chorar copiosamente por qualquer motivo, que antes era fruto de prazer. Vi os olhos do anjo entristecerem numa pergunta que nunca chegou a fazer. E os meus transbordavam em lágrimas amargas e angustiantes. Até que numa manhã úmida de verão acordei sem a sua presença, desapareceu deixando apenas o gosto doce da saudade.
Valdira S. Rosa
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