Foto de Ana Rafaela D'Amico
DESTINO
Aquela pequenina espécie humana brincava no quintal já há algum tempo, sob a sombra de um belo cajueiro que insistira em sobreviver naquela rua tão seca. Mas havia uma barreira entre eles. Um muro, de tijolos, cimento, tinta, cerca elétrica... Do lado de dentro, a criança construía um pequeno castelo de areia no quintal extremamente “limpo” de folhas, flores, frutos, sem imaginar que ali antes vivera uma família inteira de palmeiras. Do lado de fora do muro, a árvore brincava com o vento que de leve soprava seus galhos cheios de flores, no chão sua doce sujeira: flores, folhas, frutos.
Na cabeça do menino sobrevivia um sonho, um desejo secreto aos seus pais. No cajueiro sobrevivia a última espécie da rua. A criança ainda não fala perfeitamente, a árvore não foi dotada de tal qualidade. Mas ambos se comunicam, seja pela sombra de um ou pela alegria do outro.
A Tarde, quando o sol finalmente abandona seu turno, menino se recolhe e cajueiro se aquieta. O vento não tem mais o mesmo sabor.
E todos os dias era a mesma cena, como um casamento feliz sem saber.
Com o decorrer dos dias, dos meses, a sombra se deslocava, e o menino se mudava do castelo para um parque de diversões que construíra com gravetos de seu amigo. Nunca teve a intenção de brincar em outro canto da casa, também nunca teve amigo tão fiel.
Quando chovia, se a mãe não estava, brincava de cachoeira, cascata e barquinho. Mas o melhor da festa mesmo era sentir aqueles pingos grossos que eram filtrados por seu enorme companheiro. O cajueiro, nessas ocasiões, parecia mais feliz, poderia até se dizer que sorria, um sorriso discreto e verdadeiro.
Mas o tempo não parou para aqueles dois amigos, passava lento, sem ser sentido, mas implacável o suficiente para construir raízes, cicatrizes.
O menino, que já não era mais tão novo, que não mais via o crescimento diário de um fruto, tornou-se um homem, e como tal foi enviado para outra cidade. Era necessário estudar, formar-se. Seus pequenos sonhos transformaram-se em grandes desilusões. Suas mãos não sentiam mais a terra escorrer entre os dedos com a água das chuvas. E seus pés há muito tempo não sabiam o que era pular amarelinha à sombra de um cajueiro.
Entre um namorico e uma desilusão amorosa, resolveu voltar a sua casa, rever os amigos. Custou a identificar seu lar, pois este não mais havia. No lugar, uma enorme mansão, pintada com cores da moda, tom sobre tom. Na terra que tantas vezes brincara havia agora uma varanda triste, envidraçada. E no lugar do seu velho companheiro da infância morava uma calçada fria, desenhada por um arquiteto que se dizia importante.
Já ia virar-se, não era ali que vivera... quando seu pai o chamou, feliz, mostrado toda a reforma cara. Ele olhou o sorriso do pai, até forçou um sorriso, seus olhos embaçados não queriam mais ver.
Sua visita foi rápida, assim que pôde, retornou aos seus livros. E quando todos achavam que finalmente ele voltaria para sua cidade, (deveria ser um grande Doutor em alguma coisa!) embrenhou-se numa Floresta Nativa, bem distante de sua região, uma floresta que assim como ele, brigava contra o destino que lhe teimavam impor.
Ninguém entendeu... tão bonito rapaz formar-se para viver isolado no mato...
E ele, na primeira chuva, correu para perto de uma enorme árvore e sentiu os pingos grossos deslizarem por seu rosto...
Valdira da Silva Rosa
Aquela pequenina espécie humana brincava no quintal já há algum tempo, sob a sombra de um belo cajueiro que insistira em sobreviver naquela rua tão seca. Mas havia uma barreira entre eles. Um muro, de tijolos, cimento, tinta, cerca elétrica... Do lado de dentro, a criança construía um pequeno castelo de areia no quintal extremamente “limpo” de folhas, flores, frutos, sem imaginar que ali antes vivera uma família inteira de palmeiras. Do lado de fora do muro, a árvore brincava com o vento que de leve soprava seus galhos cheios de flores, no chão sua doce sujeira: flores, folhas, frutos.
Na cabeça do menino sobrevivia um sonho, um desejo secreto aos seus pais. No cajueiro sobrevivia a última espécie da rua. A criança ainda não fala perfeitamente, a árvore não foi dotada de tal qualidade. Mas ambos se comunicam, seja pela sombra de um ou pela alegria do outro.
A Tarde, quando o sol finalmente abandona seu turno, menino se recolhe e cajueiro se aquieta. O vento não tem mais o mesmo sabor.
E todos os dias era a mesma cena, como um casamento feliz sem saber.
Com o decorrer dos dias, dos meses, a sombra se deslocava, e o menino se mudava do castelo para um parque de diversões que construíra com gravetos de seu amigo. Nunca teve a intenção de brincar em outro canto da casa, também nunca teve amigo tão fiel.
Quando chovia, se a mãe não estava, brincava de cachoeira, cascata e barquinho. Mas o melhor da festa mesmo era sentir aqueles pingos grossos que eram filtrados por seu enorme companheiro. O cajueiro, nessas ocasiões, parecia mais feliz, poderia até se dizer que sorria, um sorriso discreto e verdadeiro.
Mas o tempo não parou para aqueles dois amigos, passava lento, sem ser sentido, mas implacável o suficiente para construir raízes, cicatrizes.
O menino, que já não era mais tão novo, que não mais via o crescimento diário de um fruto, tornou-se um homem, e como tal foi enviado para outra cidade. Era necessário estudar, formar-se. Seus pequenos sonhos transformaram-se em grandes desilusões. Suas mãos não sentiam mais a terra escorrer entre os dedos com a água das chuvas. E seus pés há muito tempo não sabiam o que era pular amarelinha à sombra de um cajueiro.
Entre um namorico e uma desilusão amorosa, resolveu voltar a sua casa, rever os amigos. Custou a identificar seu lar, pois este não mais havia. No lugar, uma enorme mansão, pintada com cores da moda, tom sobre tom. Na terra que tantas vezes brincara havia agora uma varanda triste, envidraçada. E no lugar do seu velho companheiro da infância morava uma calçada fria, desenhada por um arquiteto que se dizia importante.
Já ia virar-se, não era ali que vivera... quando seu pai o chamou, feliz, mostrado toda a reforma cara. Ele olhou o sorriso do pai, até forçou um sorriso, seus olhos embaçados não queriam mais ver.
Sua visita foi rápida, assim que pôde, retornou aos seus livros. E quando todos achavam que finalmente ele voltaria para sua cidade, (deveria ser um grande Doutor em alguma coisa!) embrenhou-se numa Floresta Nativa, bem distante de sua região, uma floresta que assim como ele, brigava contra o destino que lhe teimavam impor.
Ninguém entendeu... tão bonito rapaz formar-se para viver isolado no mato...
E ele, na primeira chuva, correu para perto de uma enorme árvore e sentiu os pingos grossos deslizarem por seu rosto...
Valdira da Silva Rosa