Desfaço-me nas
horas desse tempo seco
Me restabeleço nos
dias, meses, anos
gradualmente, sem
pressa
Arrumo as gavetas,
são papéis, notas, cartas
Ah, as cartas…
Não sei porque
parei de escrevê-las
Elas têm um quê de
testamento (talvez por isso)
Arrumo armários,
pastas, fotos
e me pego revivendo
aquele passado retratado
estranho, ausente,
nostálgico
A medida que arrumo,
organizo,
me desalinho,
entorto
Tudo organizado,
olho ao redor
A bagunça interna é
assustadora, voraz
Tento me equilibrar,
os olhos pesam,
lacrimejam
Decido acender um
incenso,
colocar uma música,
dançar
Aos poucos a
balburdia vai se camuflando entre uma sensação e outra
A dança se torna
frenética,
o som é vibrante e
sensual
A pele está úmida
Paro levemente, os
pés descalços no chão frio
desço, sento,
deito, rio
Recomeço então
arrumo os novos
papéis, as imagens vívidas,
um talismã, um
livro amado
Aos poucos também
vão surgindo espaços
cantos de luz
pálida, recantos floridos,
cheiros suntuosos
vão brotando
Faço um chá,
de amoras.
Valdira Rosa