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sábado, 2 de dezembro de 2017

CERRADO


Sentou-se entre os galhos secos e as minúsculas flores lilases.
Estava quente, seco, o vento não era fresco. Mas o céu era azul intenso, de um brilho aterrador.
Sentiu o sol queimar os ombros e em vão tentou se cobrir.
As imagens fundiam-se às lágrimas, numa mistura de real com suas angústias. O cheiro ardido do cerrado seco embargava os outros sentidos. Tentou levantar, não houve resposta do corpo adormecido.
De repente ela pousou em seu braço, leve e faceira. Tinha um brilho incomum e se confundia às flores. Inicialmente pensou em tocá-la, mas parecia tão fugidia que sentiu medo. Soltou um leve suspiro em sua direção, mas sua hóspede apenas trepidou as asas e voltou a uma posição confortável. Então decidiu por deixá-la ali, repentina e melancólica.
Por longo tempo ficou a admirar sua frágil existência, eternamente bela.
O inseto também parecia admirá-la, frágil e patética. E nesse espaço temporal nada aconteceu, a vida parou, o vento cessou, as dores diluíram-se, o sol deixou de arder.

E então, lentamente, ela se foi, o voo foi certo e repentino, a vida voltou a fluir, o ar pesou. Olhou ao longe e percebeu a mata de galeria que não vira antes.
Tomou coragem, ergueu-se e foi.
(Valdira Rosa)

domingo, 26 de novembro de 2017

Eutanásia



Notou que era seguida, e isso não a incomodou.
Sentiu que não seria sozinha, nem única,
Mas deixou-se envolver.
Foi contraditório, intenso, cheio de pavores e de novidades,
Foi vivo.
Agora morre, agoniza como moribundo, e não vê saída.
Talvez a eutanásia seja a única, benéfica e mortal.

Talvez assim haja paz.

domingo, 9 de julho de 2017

Apelo

Não, não quero beijos castos

Na castidade de seus sentimentos

Não quero olhar complacente, nem carinhos doces.

Quero mais beijos ardentes, abraços de excitação,

Olhar sedutor, alongado, sorriso dissimulado de paixão.

Não, não quero mais palavras não ditas, conversas truncadas.

Quero mais xingamentos, brigas, explosões de sentimentos.

Não quero mais fingir civilização, cortesia.

Quero mais falas em paixão, estourando das faces,

bocas ríspidas, amantes, sem timidez.

Não quero mais passeios sociais, tímidos e complacentes

Quero mais noites de lua cheia, ou sem lua,

frio da noite, quente de verão

Sentir o corpo suado, bocas quentes, olhares cúmplices,

cabeça a rodar.

Perder os sentidos, a razão,

a decência.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

VENTO



Vivia entre o céu e o mar, achava-se concha, pedra, areia talvez.
Sentia que era pequena e rodopiava nas ondas e vagava entre estrelas.
Sonhava alto, longo e livre,
ia de um extremo a outro num pé só.
Seus olhos eram puro brilho,
refletiam as estrelas no mar.
E bêbada de sonhos, se jogava no céu.
Se perdia no abismo do março
e se encontrava no vazio entre os dois.
A cabeleira solta, a pele ardente e o riso frouxo.
Os olhos perdidos, os braços abertos e os pés dançando.
Era uma confusa dança de amor, mas livre, e leve, e pura.

Valdira S. Rosa

Desejos

Ela queria o mar, o mais denso mar
queria a leveza tênue do toque, o sopro na nuca e o roçar de lábios
sentia que a firmeza de dedos era a sustentação de seu prazer
e o corpo arfante brilhava.

Ela queria a lua, a mais suave das noites
queria o riso breve de dentes leves
os lábios quentes firmemente pousados
e o olhar dissimulado de uma janela entreaberta.

Ela queria o sol, o mais morno sol de outono
queria o quente roçar de pernas nuas
a textura suave de pelos eriçados
não mais sentia os impulsos, apenas os soluços,
frescor
calor
torpor