Sempre a observava
com paixão. Sabia de sua vida mais íntima, conhecia seus hábitos.
Decorara os dias que recebia flores, toda semana, rosas exuberantes e
delicadas flores do campo. Sabia que não eram enviadas sempre pela
mesma pessoa, estilos diferentes, floriculturas diferentes e
especialmente, recepção diferente. As rosas iam para um vaso de
porcelana na sala, e ali reinavam por dias. As singelas flores eram
colocadas num vaso antigo e ficavam em seu quarto por um dia apenas,
mas estas eram o tempo todo enamoradas.
Conhecia sua bebida
predileta, vodca, e sempre a bebia sozinha, exceto às
quartas-feiras, que além de acompanhada, a roupa era deslumbrante,
sensual, a noite era previsível, pela manhã acordava tarde,
lânguida, e ia caminhar.
Cerveja era
apreciada aos sábados, com amigos, casa cheia, música boa e alta,
dançavam, comiam. E aos domingos era convidada para uma nova peça
de teatro que estava passando na cidade, ou um filme recém-lançado,
às vezes um show de rock, e a preparação era digna de um
espetáculo, desde a maquiagem à escolha do lingerie.
Sabia quando a outra
era convidada para um motel. Vestia-se com primor, porém mais
ousada, deixava de usar calcinhas, ou usava alguma especifica para o
momento. Perfumava-se mais, caprichava nos hidratantes, por horas.
Quando percebia tais
rituais, alegrava-se pela outra e algo dentro de si mesma ia
murchando cada dia mais. Olhava-se, com seu vestido leve e simples,
sentia a pele arrepiar-se, passava as mãos pelos seios ainda
bonitos. Mas não ganhava flores, não as recebia e nem as comprava.
Às vezes comprava
ingressos para um espetáculo que adoraria ir, mas os esquecia em
alguma gaveta e depois os esquecia da vida e esquecia-se de si, vivia
a outra.
Deslumbrava-se com
os momentos de observação, ali vivia intensamente, presa à sua
janela e à janela da outra, transparente, nua.
Gostava das noites
tórridas que desfrutava em contemplação, gelada, fria, encolhida
no canto da sala. E mais do que sentia o sabor das bebidas, ficava
tonta, leve, com seus efeitos.
Era também marcante
o dia da feira, ia comprar verduras e frutas frescas, enquanto
acompanhava a outra, comprando, com frescor, frutas exóticas e
encantando o ambiente.
Chegou a ir a um
motel distante da cidade, um dos mais luxuosos, sozinha, aproveitou o
banho na banheira, secou seus cabelos, deitou-se na imensa cama. Mas
a melhor sensação foi encostar-se à parede e sentir a presença da
outra, do outro lado, em prazer descomedido. Saiu feliz.
Outra vez comprou
bebidas, arrumou-as em seu bar, vislumbrou a beleza de garrafas tão
distintas ao seu alcance... Nunca bebeu, nunca amou, nunca
enlouqueceu.
Então, numa manhã,
viu o corpo da outra, estendido, frio, branco, imóvel. Foram-se os
prazeres, os amigos, os amantes. Fora-se a vida. Fora-se o amor.
Sentiu-se ir também, olhou as mãos, estavam manchadas de sangue,
secas, duras.
Tombou para um lado
e dormiu. As sirenes continuavam a iluminar tudo, e o som era cada
vez mais distante.
27 de Setembro de
2012
Valdira S. Rosa
Um comentário:
Emocionante! No final nos pula ao peito um sustinho gostoso. Gostei bastante!
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